O meu Avô Mário
O Mário Barradas. O meu Avô Mário. Para mim dois homens diferentes e o mesmo homem, o dos afectos e o do teatro.
É-me difícil escrever sobre o Mário Barradas, era um grande homem, há poucos, e ele era um deles. Famílias, amigos, colegas, alunos, todos sabíamos disso. Não conseguiria fazer-lhe justiça por isso escrevo sobre meu avô.
O meu Avô que escrevia cartas e dizia poesia a cada esquina, poemas em português ou francês brotavam e nós, a minha irmâ e eu, encantadas ouvíamos. Lembro-me de do alto da minha arrogância de juventude ter declarado que não gostava de Cesário Verde, achava-o chato, ele declamou o “Sentimento de um Ocidental”, o poema ganhou corpo e forma e eu ganhei o Cesário. Também me lembro de lhe pedir que recitasse o “História Antiga” do Miguel Torga uma e outra vez e dele me oferecer uma cassete com o poema para que eu o pudesse ouvir sempre que quisesse e ele pudesse dizer outros poemas. Perdi a cassete, tenho pena, mas continuo a ouvir a voz dele quando leio o poema.
Do meu Avô guardo a voz cheia, o amor às letras e à poesia, guardo como guia a rectidão e o sonho, posto em prática, de tornar o mundo melhor. Ele praticava o que apregoava e isso é raro.
Dedicou-se inteiramente ao teatro. Talvez seja por isso que eu tenha ido parar ao teatro.
Lembro-me de andar com ele nos corredores do Garcia de Resende. Lembro-me da forma como tratava todos por tu e todos por igual. Lembro-me de ele ser o Mário Barradas quando estava no teatro. Uma vez fomos visitá-lo e ele saiu de uma reunião para nos dar um beijinho, era o Mário Barradas, não o Avô, a minha irmã pequenina assustou-se e chorou.
Guardo do meu Avô os abraços, o riso a dizer-me que estou a ficar velhota em todos os aniversários, guardo a experiência única de o ter acompanhado a Edimburgo para assistir ao “Troilus and Cressida” do Shakespear – a peça que ele nunca chegou a fazer – encenado pelo Peter Stein. Ele sabia a peça de cor, e explicou-me o enredo, as subtilezas das personagens, as opções de encenação, foi uma aula viva. Eu, como se ainda fosse criança, sentia um enorme orgulho por poder estar ali com ele, com o meu Avô, com o Mário Barradas. Nessa mesma viagem fomos ver uma encenação de uma peça do Brecht no Fringe Festival, era uma companhia de jovens americanos. Ele assistiu àquela encenação com a mesma paixão com que assistira à do Peter Stein na noite anterior.
Tenho saudades do meu Avô mas não o perdi, os ensinamentos dele servem-me constantemente de guia, no meu último projecto, um projecto poético, sobre poesia “7 poemas para um mundo novo” lembrei-me muitas vezes das suas palavras sobre o que é dizer um poema, sobre como um poema não precisa de ser interpretado, apenas dito, e a sobre a sua alegria em partilhar o seu amor à poesia.
Violeta Barradas