Era uma vez o Centro Cultural de Évora

Por Avelino Bento

Em dezembro de 1974 Mário Barradas, na altura Director da Escola Superior de Teatro do Conservatório Nacional, convida alguns dos seus alunos para fazerem parte de um projecto de descentralização teatral. Tratava-se de implementar um Centro Cultural na cidade Évora apoiado por uma Companhia de Teatro residente. Para início da actividade teatral dessa futura companhia tinha convidado o encenador francês Richar Demarcy, marido da portuguesa Teresa Mota, para escrever uma fábula, assim chamada por esta dupla, alusiva a um facto histórico passado em Portugal no mês setembro desse ano: 28 de setembro de 1974.

Para falar do projecto e fazer a apresentação dos convites feitos numa primeira fase, convocou uma reunião no dia 30 de dezembro para o Teatro da Trindade. Assim, para além dos seus alunos da Escola Superior de Teatro, Avelino Bento, João Lagarto e Maria Santos, estavam presentes Luís Varela que estudou com Mário Barradas na Escola de Teatro de Strasbourg e os veteranos Clara Joana, Joaquim Rosa e Luís Jacobety. Juntaram-se também a este grupo dois dos melhores técnicos do Teatro dessa altura, o especialista de palco Mano António e a costureira Amélia varejão. Naturalmente alguns dos colegas de Teatro de Mário Barradas dos tempos de Moçambique também faziam parte do projecto: José Caldeira, Zita Caldeira e Teresa Gonçalves.

O que se fez nesse encontro no Teatro da Trindade na noite de 30 de dezembro de 1974, para além das apresentações e de se falar rapidamente no Projecto, foi ler-se a peça “A Noite de 28 de setembro” de Demarcy e distribuir-se as personagens pelos actores presentes. Não havia tempo a perder. O Centro Cultural de Évora deveria abrir-se oficialmente a 01 de janeiro de 1975 e o primeiro espectáculo de Teatro deveria estrear-se ainda em janeiro, como veio acontecer. As personagens foram distribuídas desta forma: Latifundiário, Joaquim Rosa; Clero, Luís Jacobety; General, Avelino Bento; Povo ingénuo, João Lagarto; os restantes fizeram as multidões revolucionárias.

Eu Feurbach

No dia 01 de janeiro 1975 chegava a Évora, vindo de Lisboa pelo comboio do Barreiro, um conjunto de novos habitantes para esta cidade e que contribuiu para a sua história, assim como para a História do país. Estes novos habitantes, que eram actores, actrizes e técnicos traziam consigo o primeiro projecto de Descentralização Teatral e Cultural realizado em Portugal, criado e dirigido pelo Doutor Mário Barradas.

A azáfama foi a de encontrar espaços de acolhimento que, nos primeiros dias, passou por se permanecer em pensões, enquanto se foi encontrando paulatinamente habitações que se tornariam definitivas para alguns de nós.

Nessa noite de 01 de janeiro de 1975 as portas do Teatro Garcia de Resende abriam-se para dar morada ao Centro Cultural de Évora e ao seu projecto de Descentralização Cultural. Iniciava-se nessa noite os ensaios da peça “A Noite de 28 de Setembro” com texto e encenação de Richard Demarcy.

O espaço de cena foi adaptado àquele magnífico local, de palco à Italiana e com sala romântica inaugurada no final do séc. XIX. Contrariando o que até aí se fazia em Portugal, este espectáculo provocou uma inovação cénica. O lugar do público foi só e unicamente lugar de cena e o palco foi partilhado, em teatro de arena, pelo público e por outras cenas da peça. Foi uma mudança estética, mas era também uma mudança semântica do Teatro chegar ao Público.

O elenco foi alterado poucos dias depois. O encenador chegou à conclusão de que a personagem do General, como todos os generais dessa época, deveria ser uma pessoa mais velha e com voz mais gasta pelo comando. Avelino Bento era efectivamente demasiado jovem para desempenhar esse papel. Em boa hora foi o grande Mário Barradas que o substituiu. Revelando-se aqui como um grande Actor.

O espectáculo estreou-se quase no final de janeiro. Estiveram presentes muitos intelectuais de Lisboa, e não só, de políticos a artistas e também muito público naturalmente. A cidade de Évora viveu um dia histórico. Seria o início de um projecto que captou muitas gerações e que, infelizmente, a sua continuidade, já com outra nomenclatura, CENDREV, está em risco de desaparecer por falta de vontades políticas.

O que aconteceu durante o mês de fevereiro de 1975, enquanto já se ensaiava o Soldado Raso de Luís Valdez com encenação de Mário Barradas, foi uma histórica tournée pelo Alentejo, adaptando-se o espectáculo a novos espaços de cena e a novos públicos, a maioria dos quais nunca tinha assistido a espectáculos de Teatro.

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