Uma Praça para as Ideias: Aprender a Liberdade com o Brasil

Uma Praça para as Ideias

Aprender a Liberdade com o Brasil

Tudo começou com uma entrevista da Carminho, publicada já há uns anos no jornal Público, em que ela referia que aprendeu a liberdade com o Brasil, e que foi também o Brasil que a ajudou a dar mais voz às suas composições.

“Elas já existiam, mas eu não tinha a liberdade. Deu-me uma perspectiva de longe, de alguém que tem a mesma língua. Parecemos iguais e somos tão diferentes. E há um choque. Quando vamos a um país de língua diferente, a cultura é diferente e nem ponderamos igualar-nos. Mas quando estamos no Brasil, damos por nós a pensar que somos todos iguais e de repente levamos com reacções e atitudes muito diferentes, que me põem a pensar sobre a nossa introspecção e a nossa nostalgia, que tem coisas boas e más. Ou a nossa necessidade de individualismo, enquanto eles partilham muito, mesmo em termos artísticos.”

“Esta coisa de acontecerem encontros com músicos brasileiros tem a ver muito com a energia que eles transmitem. Juntamo-nos, cantamos músicas uns dos outros, ‘vamos cantar contigo e tu cantas connosco’. E esta empatia de backstage, de encontros, de ensaios, cria relações muito fortes. Depois tem-se a liberdade. Que é o que faz a música acontecer.”

Desafio a que o Luís Jorge Monteverde e o Pedro Mantas responderam assim:

No Brasil também me senti mais Livre

Revejo-me neste testemunho. No Brasil também me senti mais livre, e como foi difícil a adaptação. Mal meu, pois não conseguia entender a razão de ser das diferenças que encontrei. Depois aprendo a aceitar.

O facto de que, nas empresas, todas as pessoas são tratadas por igual, por você, do Presidente à senhora das limpezas. O facto de que, numa reunião, todas as opiniões têm o mesmo valor e o chefe é aquele que, no final, propõe o consenso, acima de tudo nunca impõe a sua opinião. O facto de que na reunião ninguém critica as opiniões dos colegas, pois todos são igualmente inteligentes e têm direito a pensar pela sua cabeça: só os portugueses, se estiverem lá há pouco tempo, se batem pelas suas opiniões e contra as diferentes, porque ainda não aprenderam a respeitar os outros. As pessoas que merecem uma consideração muito especial são tratadas por Senhor ou Senhora, e não necessariamente são os mais graduados da empresa, muito menos os donos. O carinho com que todos se tratam entre si. A certeza de que se se vê alguém a maltratar uma criança na rua é português, recém-chegado, porque ao fim de algum tempo eles também aprendem que as crianças têm de ser tratadas com todo o carinho. A mãe que entra na pastelaria e pede um doce para o filho, olha em volta, vê outras crianças, principalmente se pobres, e manda dar doces para todas as crianças presentes. E assistir a isto, pela primeira vez, foi a mais comovente experiência que vivi no Brasil.

Luís Jorge Monteverde

O Brasil dessa altura e a África portuguesa colonial

Tenho gostado muito desta troca de mensagens. Há coisas que me tocam mais, claro está, como a ideia do que se sente no Brasil. A minha experiência no Brasil, que, devo confessar, não é grande nem intensa, tem pelo menos duas fases: de há cerca de três décadas e a mais recente. A mais recente não tem nada a ver com as cores que foram pintadas, infelizmente. Não senti no Brasil mais recente (e, claro, num determinado Brasil, que é o Brasil mais rico) a tal sensação de tolerância especial. Senti-o no Mato Grosso do Sul, mas não no Rio Grande do Sul. Há trinta anos, senti-o no Brasil mais rico, em São Paulo (estado, não cidade) e no Rio de Janeiro (cidade, não estado). Revi-me nas mensagens anteriores no Brasil dessa altura; não senti o racismo que hoje se propala e se propaga, importado das américas do norte. E o mais interessante, é que a comparação do Brasil dessa altura com a África portuguesa colonial (Moçambique) era tão óbvia que doía (no bom sentido da expressão). Mas, então, nos dois casos não era, afinal, alguma alma portuguesa a que vigorava em ambos os países? Seria sim, era, e é ainda, uma alma portuguesa da solidariedade e da tolerância, uma alma que nos fez e faz sempre ser grandes. O português na Europa sofre com o europeísmo, frequentemente reativo ao menosprezo a que é votado, a cantar de galo ao mais pequeno conseguimento, a mostrar sempre que é o «bom aluno», «Tomem lá, que é para aprenderem a perceber que também sabemos fazer as coisas», quando, afinal, pelas ‘terras viciosas que de África e da Ásia (e da América, acrescento eu) andaram devastando’ somos mais nós, somos mais tolerantes, somos mais solidários, somos mais gente grande. O livro recente do Mia Couto, ‘Mapeador de ausências’, mostra como em 1973 se comportavam os portugueses da metrópole (europeizados) e os portugueses de segunda (africanizados) em Moçambique. Grande livro, devo dizer.

E o sermos mais nós é o que precisamente nos falta. Queremos à viva força ser os primeiros e copiamos o que os outros fazem; é uma pena, esquecemo-nos da máxima (que é óbvia) de que ‘não copies, porque nunca serás o primeiro’. Exemplos: os TGV (felizmente já não ouvimos este disparate há alguns anos, que alívio). A nossa economia justifica a existência de TGV na extensão do nosso território? Claro que não. Queríamos um TGV para andar 300 km (Lisboa – Porto)? Com paragens na Ota, em Coimbra, em Aveiro e em Gaia? Só mesmo de totós. Outro exemplo: a novela do novo aeroporto de Lisboa. Londres tem um aeroporto na City, nós não podemos ter um aeroporto na Portela; o deserto (sul do Tejo, como dizia o fantástico ministro) afinal pode ter um aeroporto novo, feito em cima do velho ou envelhecendo o novo, não sabemos, mas nunca temos os números que justificam um novo aeroporto (deve ser porque o novo census é só agora, mandou-nos o INE fazer, numa boa atitude democrática com sabor a Salazar, não é?). Onde estão as projeções da década de 70 que nos diziam, já nessa altura, que precisávamos de um novo aeroporto em Lisboa? Em que falharam, porque ao fim de 50 anos continuamos com o mesmo aeroporto, um pouco mais melhor bom, sim, mas o mesmo aeroporto? É óbvio que as projeções recentes tornaram a falhar e, se tivermos sorte, falharão por mais uns 50 anitos. É que os fabulosos TGV e o novo aeroporto de Lisboa não passam de confabulações de elites fracas, que precisam urgentemente de mostrar trabalho, de ter umas ideias fantásticas para o desenvolvimento do país. Chegamos, inclusive, ao suprassumo da situação: um partido no poder tem de convidar um iluminado da nação para lhe dizer (ao partido) e a nós (a plebe inculta e insensível aos graves problemas do país) o que devemos fazer na próxima década. Isto foi mesmo a cereja em cima do bolo; isto somos nós europeus, isto não somos nós tolerantes, solidários e bons trabalhadores.

Pedro Mantas

AUTORES DO ARTIGO

CARMINHO

LUÍS JORGE MONTEVERDE

PEDRO MANTAS

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