A sopa é uma apropriação de algo que o outro traz

Uma Metáfora

A sopa é uma apropriação de algo que o outro traz

Extrato da entrevista a Isabel dos Santos, realizada por Joaquim Eusébio em Montreal, que será publicada no próximo número do LP - Ler o Mundo em Português.

Isabel dos Santos – Eu escrevi La soupe au caillou frai, du jour a partir duma necessidade que eu sentia aqui de falar às pessoas daqui e em francês pois é essa a língua que eu normalmente com elas utilizo. Portanto nesta versão não falo da estreiteza de espírito do camponês face aquele que vem de fora, não falo da esperteza do estrangeiro, que é uma esperteza pouco recomendável e que é tónica comum nas versões tradicionais deste conto. O que me levou a criar esta versão para aqui foi a possibilidade de utilizar o conto para falar da possibilidade de desconfiança que se pode ter do outro, do estrangeiro, aquele que se não conhece e como a aceitação do outro nos pode levar a criar algo que sozinhos não criaríamos. A sopa de pedra com o calhau fresco do dia é uma sopa que foi inventada pelos aldeões também porque receberam um estrangeiro, o que para mim é uma metáfora do que acontece aqui todos os dias neste país e nesta cidade de Montreal, que é uma cidade de imigrantes. A metáfora pode-se aplicar igualmente ao nível dos costumes, ao nível dos saberes, ao nível da cultura. É a partir da integração do outro, com o saber e o saber fazer do outro que nós conseguimos criar uma comunidade mais rica. Por outro lado, a sopa é uma apropriação de algo que o outro traz, neste caso um calhau, mas ao qual cada um de nós junta um ingrediente para que se faça uma sopa única. Assim, como os legumes são locais, a sopa é local, não é exótica. Assim, este conto permitiu-me abordar a questão da apropriação, do trabalho permanente de apropriação que existe na arte. Neste momento esta questão torna-se cada vez mais importante não só no meio artístico de Montreal, mas igualmente norte-americano e mesmo europeu.

Joaquim EusébioLa soupe traduz o desafio que é posto a quem entra numa nova sociedade onde há novas formas de pensar e novas formas de ver o mundo e onde há necessidade de conjugar as formas que se trazem com novas formas, para se fazerem novas sopas…

Isabel dos Santos – Exatamente. E por outro lado é também o meu lado pessoal. É a metáfora da Isabel, que tem de arranjar um calhau qualquer para se juntar ao caldo e criar uma sopa com os outros, mas tendo em conta que os outros trazem muitas outras coisas para a sopa. Ao fim e ao cabo é uma tomada de posição sobre o caminho da integração e de todas as dificuldades que lhe estão subjacentes. Quantas vezes pensei, o que poderei fazer aqui, com a minha pronúncia estrangeira, tendo outras características culturais, como poderei ser aceite aqui? Para mim era evidente que eu não queria viver num grupo aparte, mas queria viver, integrar-me e trabalhar no grupo da maioria.

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