Um GPS: A Literatura para Descobrir o Brasil

Um GPS

A Literatura para Descobrir o Brasil

Há um dito popular que diz que o Brasil não é para amadores. E mesmo profissionais (historiadores, cientistas sociais, cientistas políticos etc.) têm dificuldade em estabelecer um roteiro para conhecê-lo. Sempre que um europeu pergunta como vai o Brasil eu pergunto: qual? O Brasil oficial, das instituições, diz pouco de nós, embora reflita as contradições de uma nação politicamente semianalfabeta. Pode-se dizer que todos os países são múltiplos, mas poucos como este têm uma diversidade tão grande de culturas e histórias habitando o mesmo e imenso território. A uni-lo, a mesma língua, com suas variações.

Sabendo que ofereço apenas um dos muitos roteiros possíveis para descobrir o Brasil na sua multiplicidade, sugiro então que o interessado mergulhe na nossa literatura. E não receie começar pelos autos de José de Anchieta, que no início da colonização valeu-se da poesia e do teatro em seu trabalho catequético. É notável como Anchieta, o primeiro a fazer literatura na nova colônia, manejou três línguas – português, latim e tupi-guarani – para “evangelizar” os nativos e cumprir as tarefas nem sempre altruístas e desinteressadas dos Jesuítas. Também assim se explica tantas palavras e expressões indígenas incorporadas ao português brasileiro, à língua de Pindorama.

Saindo do passado remoto, o interessado encontrará na literatura produzida a partir do século 19, um bom painel do Brasil. Novamente, comece pelo teatro. Martins Pena foi o primeiro comediógrafo a retratar da vida na corte, Rio de Janeiro. E, mais no final do século, encontre o teatro de Artur Azevedo e o teatro e romances de seu irmão mais novo, Aluísio, que mostram um país de mulatos, cortiços e casas de pensão, diferente do glamour europeizado da capital da República.

Observe-se que Artur e Aluísio Azevedo nasceram muito longe do Rio de Janeiro, no norte do País, em São Luís do Maranhão. Essa migração para o eixo Rio-São Paulo onde se concentrava o poder político e econômico foi, até depois da segunda metade do século 20, destino da maioria dos escritores que, entretanto, não abandonaram as raízes regionais em suas obras. Isso vale para a poesia do baiano Castro Alves, dos pernambucanos Manuel Bandeira e João Cabral de Melo, do maranhense Ferreira Gullar, do amazonense Thiago de Mello e do mineiro Carlos Drummond de Andrade. E vale também para os romances do riograndense do sul Érico Veríssimo, do paulista Mário de Andrade, da cearense Rachel de Queiroz, do mineiro Guimarães Rosa ou dos baianos Jorge Amado e João Ubaldo Ribeiro – e, uma exceção, a obra múltipla do paraibano Ariano Suassuna, que se estabeleceu em Recife e lá ficou.

Poucos, como o poeta Manoel de Barros tiveram reconhecimento sem deixar o seu lugar, o Pantanal mato-grossense, onde viveu até os 98 anos. Como ele, e tão longevo quanto, Cora Coralina, poeta revelada aos 76 anos, morando no coração do país, em Goiás, e ao sul Mário Quintana, gaúcho de Porto Alegre, cuja poesia maior não foi suficiente pra lhe dar uma cadeira na Academia Brasileira de Letras, criada em 1897 pelos irmãos Azevedo e por Machado de Assis, que deixei por último por ser o primeiro, e cuja obra é fundamental nesta tentativa de descobrir o Brasil.

Claro, é um roteiro que o interessado deve completar e no qual, de propósito, estão ausentes contemporâneos vivos, para me livrar do esquecimento de nomes e porque, alguns, são facilmente reconhecidos em jornais, revistas e mídias digitais. Deixo ao leitor esse convite para conhecer o Brasil pela literatura. Penso ser um jeito muito agradável de reconhecer as muitas faces deste País. E, se possível, ler ouvindo os sons do Brasil, que são mais ricos e variados do que supõe a indústria da música.

Oswaldo Mendes

https://leromundoemportugues.pt/o-brasil-nao-conhece-o-brasil/

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OSWALDO MENDES

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