Os Desafios com que a Terra se Confronta – II
Por Luís Jorge Monteverde
1 – Os Ciclos Climáticos
O clima terrestre não é estável, pelo contrário, sofreu acentuadas variações ao longo da história do nosso planeta. O normal é sucederem-se períodos mais frios e outros mais quentes, que chamamos de glaciares e interglaciares. Há vários factores que os climatologistas apontam para estas variações, como sejam: a trajectória do Sol, oscilante em torno do eixo galáctico, que nos faz transitar periodicamente por zonas mais densas de estrelas e, portanto, de radiação; as variações na própria radiação do Sol; os ciclos vulcânicos, que podem aumentar acentuadamente a percentagem de partículas na atmosfera que reflectem a luz solar; as alterações nas correntes marítimas; as próprias actividades humanas, nomeadamente nos últimos dois séculos.
Na história recente da humanidade temos um ciclo de arrefecimento entre meados dos séculos XVI e XIX, e mais recentemente no século XX, entre cerca de 1 950 e 1 980. Mas desde os anos 80 do século passado o aquecimento do nosso planeta tem-se acentuado a um ritmo inabitual, pois as mudanças que antes requeriam séculos, se não milénios, estão agora a precipitar-se em décadas, com efeitos explosivos nas condições de vida humana no planeta. São inúmeras as evidências e as variáveis que podemos analisar para as medir.
2 – Os Gases com Efeito de Estufa
O ciclo básico que nos interessa é o do carbono. No essencial é simples: os animais inspiram o ar (mesmo os peixes e os crustáceos, que o encontram dissolvido na água) e expiram dióxido de carbono. Para além disso, o dióxido de carbono é o resultado da combustão das matérias orgânicas, mineralizadas ou não, como a madeira, o carvão, o petróleo e os seus derivados e os gases naturais. Por outro lado, o anidrido carbónico é absorvido pelas plantas, que libertam oxigénio, através da fotossíntese, e dissolve-se nas gotas de água da chuva e na água do mar. A parte dissolvida na água do mar, por sua vez, é absorvida pelas plantas aquáticas, que libertam oxigénio, e agregada nas conchas dos animais marinhos as quais, com a sua morte, se depositam no fundo do mar sob a forma de rochas calcárias.
Para além do anidrido carbónico há outros dois gases com efeito de estufa relevante: o metano e o vapor de água. Os três gases têm em comum a capacidade de reter calor muito acima da do oxigénio e do azoto, pelo que o seu crescimento na atmosfera faz com que a retenção de calor nesta mesma seja crescente e acelerada.
Com o aumento da população mundial o consumo de combustíveis vegetais e fósseis aumentou brutalmente nestes dois séculos passados e, com a revolução industrial e dos transportes, o consumo de combustíveis fósseis explodiu. Nos últimos cem anos, mas principalmente nos derradeiros quarenta ou cinquenta, é crescente a destruição das florestas tropicais, mas também das florestas siberianas, europeias e nórdicas, o que reduz a sua capacidade de absorção de anidrido carbónico, e liberta este mesmo gás retido nas suas madeiras, para a atmosfera.
Como decorrência, a percentagem de anidrido carbono na atmosfera tem crescido de forma acelerada, do que resulta, graças à maior capacidade de retenção de calor das suas moléculas, num progressivo aumento do calor armazenado na atmosfera. Este aumento de temperatura conduz, por sua vez ao aquecimento dos oceanos, directamente via difusão do calor do ar para a água e indirectamente via precipitação da chuva mais quente do que no passado. Este aumento de temperatura das águas oceânicas, estimado em cerca de 0,11 º C por década até à profundidade de cerca de 75 metros (a maiores profundidades o aquecimento é mais lento), tem, por sua vez, dois efeitos: maior evaporação do ar dissolvido na água e, com isso, menos oxigénio para sustentar a vida oceânica, com a decorrente redução dos bancos de pesca e do plâncton e, com este, de toda a cadeia alimentar marinha; mudanças no sistema de correntes marítimas, que podem vir a traduzir-se em graves alterações no sistema de circulação das correntes a nível mundial. Acresce a isto que a maior energia acumulada nos oceanos tem dois efeitos adicionais: tempestades mais frequentes e mais violentas, para libertar parte dessa energia e ondulação mais forte, com maior destruição dos sistemas costeiros. Para além disso, a maior temperatura das águas dos oceanos traduz-se numa maior taxa de evaporação, aumento da humidade atmosférica, sendo que esta, por sua vez, com a elevada capacidade calorífica da água, aumenta ainda mais a temperatura média do ar no planeta.
O metano, capaz de absorver calor várias dezenas de vezes mais que o gás carbónico, tem menos peso na atmosfera mas a sua ameaça é crescente. É libertado através do processo digestivo dos animais, principalmente dos ruminantes (gado bovino), mas há vastíssimos depósitos de metano nas tundras geladas da Sibéria e, principalmente, no fundo dos oceanos, sob a forma de hidratos de metano. O aquecimento do hemisfério norte pode libertar quantidades gigantescas de metano da Sibéria. Por outro lado, o aquecimento das águas do mar poderá levar à instabilidade dos depósitos dos hidratos de metano com consequências potencialmente catastróficas, mas este processo é, ainda, muito pouco conhecido.
O geógrafo americano Jared Diamond no seu livro COLAPSO mostra-nos, como, ao longo da história e até à actualidade, a sobre-exploração das florestas e dos recursos ambientais levou civilizações inteiras ao colapso total. Nas últimas décadas a aceleração da destruição ambiental ameaça o todo da civilização humana.
3 – O Ciclo da Água
A libertação crescente de gases com efeito de estufa na atmosfera, ao aquecer a esta, aumenta a evaporação dos mares e, com isso, a quantidade global de chuva no mundo inteiro, embora com distribuição assimétrica, ou seja, com regiões mais secas e outras com mais chuvas torrenciais e inundações. Daqui resulta o arrasto de sedimentos e de terras agricultáveis para o mar e os rios e a destruição de terrenos agrícolas, para além das vítimas humanas e animais directas.
As águas das chuvas alimentam os rios e os lagos e, nas maiores latitudes ou altitudes, alimentam também, sob a forma de neve, os glaciares polares e das altas montanhas.
As camadas de gelo polar, no Árctico e no Antárctico, representam cerca de 99% dos gelos no nosso planeta, pelo que os glaciares de montanha nas zonas tropicais e temperadas pouco pesam no cômputo global. Mas a sua influência é decisiva na alimentação dos caudais dos rios e na alimentação dos lagos. Ora o que se constata é que, em toda a parte, o volume de neve que cai anualmente nas regiões polares e nas altas montanhas não é suficiente para compensar as perdas que, desde há décadas, ocorrem com o degelo nas estações mais quentes. Nos Alpes e Apeninos, nos Cárpatos, nos Himalaias, nos Andes, no Kilimanjaro, nas Montanhas Rochosas e na generalidade das grandes montanhas terrestres os glaciares estão a recuar, a perder extensão e volume, o que se traduz na redução dos caudais dos rios que alimentam e na ameaça crescente para a agricultura e a subsistência nas comunidades humanas que vivem ao longo dos seus respectivos vales.
No Árctico as perdas de massas glaciares atingem proporções enormes e crescentes, ao ponto de os navios mercantes poderem já transitar, entre a Europa e a América, de um lado, e a Ásia, de outro, pelas rotas polares uma parte crescente do ano, evitando as rotas mais longas do cabo e do Suez. Ao mesmo tempo, os habitats estreitam-se para diversas espécies terrestres e marinhas e os bancos de pesca diminuem. Entretanto, os efeitos a nível das correntes marinhas não são ainda observáveis mas dificilmente serão evitáveis. Felizmente, e até aos anos mais recentes, as perdas nos glaciares da Antárctida não são relevantes e tudo indica que a neve que lá se acumula é ainda bastante para manter relativamente estável a grande massa de gelos nesta região polar.
A subida da temperatura das águas oceânicas, para além de deslocar as espécies piscícolas para mais perto dos pólos e de reduzir a quantidade de oxigénio nas águas, está a provocar a subida dos níveis do mar, devido à dilatação que o aumento da temperatura provoca na água. Com o derretimento dos glaciares, o duplo efeito acumulado leva ao aumento do nível das águas, com ameaças a países e regiões cuja altitude média é muito baixa e próxima do nível médio do mar. Por outro lado, a redução da área coberta pelos glaciares em todas as latitudes tem uma outra consequência, a redução da reflexão da luz solar devido à sua cor branca, com as áreas que ficam a descoberto, mais escuras, a absorver mais calor do Sol e, com isso, a acelerar o efeito de aquecimento do planeta.
4 – O Coberto Florestal
Os gigantescos incêndios florestais que se têm verificado, nos últimos anos, mas mais diversas regiões do planeta, mas principalmente na Califórnia, na Amazónia e no Pantanal brasileiro, na Sibéria e, em menor escala, na Ibéria e na Escandinávia, são ao mesmo tempo efeito e causa das mais gravosas alterações climáticas.
No início do século passado as grandes manchas florestais nos trópicos e em muitas zonas de clima intertropical e árctico estavam ainda em grande parte intactas. As populações pobres e, em especial, os sem terra em toda a parte, sempre praticaram queimadas em regiões muito limitadas e em pequenas extensões, o que facilitava a regeneração florestal. Repare-se que estas populações não têm capacidade técnica nem financeira para limpar grandes áreas, pois o corte e a retirada de grandes toros é muito difícil e onerosa. Entretanto, a partir do final da segunda grande guerra o panorama mudou. Os governos e as elites dos novos países independentes e de outros mais estruturados começaram a comerciar com os grandes madeireiros as licenças de corte florestal para grandes árvores, destruindo-se parte das pequenas como acidente de percurso. Estas políticas foram facilitadas em especial no sudeste asiático, com a práctica de preços muito baixos, para a madeira, tornando-a viável para usos menos nobres, como a construção civil. Ao mesmo tempo, o aumento muito substancial das populações pobres e sem terra levou estas a ocuparem as periferias das florestas à medida em que os empreiteiros as invadiam, com queimadas crescentes em número e dimensão. Deste modo, as Filipinas quase perderam as suas florestas primárias e a Indonésia e a Tailândia vão pelo mesmo caminho. Nos anos mais recentes as florestas têm vindo também a ser cortadas para a plantação de palmeiras produtoras de azeite de dendê, cujos preços são convidativos nos mercados internacionais, nomeadamente para uso como combustível aditivo ou substitutivo para o diesel.
O aquecimento da atmosfera combinado com a redução do coberto florestal tem contribuído para a redução da humidade nas regiões anteriormente com grande densidade florestal, do que decorre o aumento dos incêndios e das secas, como sucede em particular em todo o continente americano. É característico de muitos solos florestais e reduzida camada de sedimentos, donde resulta que a recuperação das florestas é cada vez mais difícil e a perda de sedimentos via enxurradas, com as cuvas intensas características destas regiões, mesmo que cada vez mais espaçadas, levam a que os solos se degradem e a recuperação das florestas seja cada vez mais difícil.
Na Amazónia estima-se que a perda de 25 a 30% da área florestal pode levar ao colapso da floresta, com consequências dramáticas em toda a envolvente geográfica a nível de redução acentuada da humidade do ar, secas prolongadas, chuvas raras mas diluvianas e destruição maciça dos actuais habitats biológicos. Os incêndios gigantescos no Pantanal e na Califórnia podem ser já um primeiro efeito visível desta mudança estrutural do clima da região. Se a isto juntarmos a possibilidade de uma alteração relevante na direcção e intensidade da corrente do golfo, o que podemos esperar?