Madalena Perdigão e a Reforma do Ensino Superior Artístico

O subdirector Lúcio Mendes, que a Comissão herdara por necessidades de continuidade formal com o passado da instituição, costumava dizer que, depois de ver Madalena Perdigão actuar no Conservatório Nacional ficara a perceber por que razão todos os furacões tinham nome feminino.

José Sasportes (1992)

A necessidade de uma reforma do Conservatório Nacional tinha-se vindo a impor no seio da opinião pública e no próprio Ministério da Educação. A diminuição da frequência e a insuficiência do ensino ministrado eram por demais evidentes para poderem passar sem resposta.

“Em 1930, o CN tinha 1300 alunos e em 66/67 tinha 450. (…) Em 1971, o CN era, fundamentalmente, uma Escola de Música, sobretudo destinada ao ensino do piano, com uma secção destinada à arte cénica, na qual estava incluída a dança através de um curso de três anos que foi ministrado por uma única professora durante trinta anos. O nível de admissão era a chamada 4ª classe e o estatuto de 1930 não previa a equivalência do ensino artístico relativamente aos outros graus de ensino”(Sasportes 1992, p.1).

A reforma já tinha sido tentada sob o consulado do ministro Galvão Teles que encarregou dois homens, Ivo Cruz, então director do Conservatório Nacional, e o cineasta António Lopes Ribeiro de a prepararem. Deste trabalho, que incluiu uma viagem de estudo pela Europa, resultaram duas propostas de reestruturação do Conservatório, a do Dr. Ivo Cruz, que pouco avançava sobre o modelo anterior, e a de António Lopes Ribeiro que propunha três escolas autónomas e com sede própria, conforme refere Sasportes:

“O Conservatório para a Escola de Música, o Palácio das Laranjeiras para a Escola Nacional de Artes Dramáticas e o Palácio de Monserrate , em Sintra, para a Escola Nacional de Bailado. É esta proposta que tem a preferência e chega a ser elaborado um projecto de lei já sob a vigência do novo Ministro da Educação, José Hermano Saraiva” (op. cit., p.2).

Em 1971, com a entrada do Ministro Veiga Simão, é proposto um novo enquadramento geral do sistema de ensino. Ao nível das artes é lançado um projecto de experiência pedagógica que durante três anos veio a vigorar no Conservatório Nacional, dimensionando o ensino artístico no interior do ensino superior e criando três novas escolas: Educação pela Arte, Cinema e Dança. Este projecto pressupunha ainda a criação de um Instituto Superior das Artes, onde iriam coexistir as cinco escolas do ensino superior – Dança, Teatro, Cinema, Educação pela Arte e Música, duas escolas secundárias anexas, e a abertura de uma Direcção Geral do Ensino Artístico no Ministério da Educação. As propostas respeitantes ao Instituto Superior das Artes e à Direcção Geral do Ensino Artístico, não vieram a concretizar-se.

A abertura de uma dimensão de Educação pela Arte, com a qual se pretendeu introduzir a formação pedagógica então inexistente na formação artística superior, vem responder à necessidade de se implantar uma dimensão de ensino artístico nos vários níveis do sistema educativo e permitiu avançar com a proposta de abertura de dois diplomas de formação de professores:

– de ensino artístico propriamente dito e destinado a formar professores de artes para os estabelecimentos artísticos do ensino básico e secundário;

– de educação pela arte para preparar os professores de educação musical, dança criativa e dramatização também para os ensinos básico e secundário.

Por causa da resistência das pessoas que dirigiam as escolas de teatro, música e dança, o diploma dos professores do ensino artístico não avançou, ficando só a funcionar a formação de educadores pela arte na Escola Superior de Educação pela Arte.

O nome chave desta reforma é, como já o afirmámos, Madalena Perdigão, directora dos Serviços de Música da Fundação Calouste Gulbenkian e impulsionadora dos cursos de “Monitores Artísticos” que se abriram na Fundação Calouste Gulbenkian, o primeiro espaço de reflexão e experimentação do movimento de educação pela arte. É a ela que o Ministro Veiga Simão vai incumbir de coordenar o projecto e a comissão de reforma do ensino superior artístico, o que faz acompanhada por um conjunto de pessoas de referência do movimento artístico português como Luzia Maria Martins, João de Freitas Branco, Mário Barradas, Seixas Santos e José Sasportes. Calvet de Magalhães, um dos autores do livro “A Criança e o Teatro” publicado em 1962 com Aldónio Gomes, é o Director da Escola Francisco Arruda que vai ter uma secção anexa ao Conservatório, e Arquimedes dos Santos, que era responsável pelos cursos de “Psicopedagogia das Expressões Artísticas” que eram ministrados na Fundação Calouste Gulbenkian, é o consultor psicopedagógico da Comissão de Reforma. No domínio específico do teatro Madalena Perdigão é acompanhada neste processo por Peter Brook, um homem que, segundo ela, foi uma das armas mais fortes de que dispôs, e que veio a influenciar decisivamente os primeiros tempos da Escola Superior de Teatro e a marcar as primeiras gerações de alunos.

A relação de confiança pessoal entre o Ministro e Madalena Perdigão permitiu a criação de um regime excepcional – escolha dos professores que podiam começar a leccionar sem o visto da polícia política de então (PIDE), um orçamento próprio e a vinda de professores estrangeiros, altamente qualificados, onde, como é natural, tem papel de relevo Peter Brook. Esta realidade é assim comentada por José Sasportes:

“A Comissão inventara um espaço de liberdade no CN e usava-o com prudência, mas sem timidez. O primeiro exercício teatral público dirigido por Mário Barradas, com a assistência de várias entidades oficiais, era um significativo ataque ao sistema colonial através da história de Cabeza de Vaca e da colonização espanhola das Américas. Para 28 de Abril de 74 estava marcado um recital Brecht por Bettina Jonic, uma das professoras da Escola de Teatro. Além deste odor de “oposição” que transpirava abertamente do velho convento da rua dos Caetanos, a experiência pedagógica era, pelo seu ritmo, julgada inquietante e tudo estava planeado para a conquista de novos territórios” (Sasportes 1992, p.7).

» Biografia de Madalena Perdigão

Receber informações

Deixe-nos o seu e-mail para receber avisos sobre a publicação de novos artigos ou outras informações.