B.Léza, uma referência maior da música e da cultura Cabo-verdiana e Lusófona

Se fosse vivo, Francisco Xavier da Cruz faria 115 anos em Dezembro deste ano. Figura incontornável dos universos culturais cabo-verdiano e lusófono, autor de grande parte dos temas musicais hoje considerados como clássicos na música popular do arquipélago da “Morabeza”*, deve o “nominha” que o popularizou (alcunha, em crioulo) justamente ao seu génio musical como compositor e instrumentista. Figura central da vida musical e boémia de Mindelo no seu tempo, aí terá ganho a admiração de marinheiros brasileiros de passagem na cidade-porto, que ao ouvirem-no executar com maestria as suas mornas e coladeras, lhe terão dito : “rapaz, você toca que é uma beleza!”.

“B.Léza”, Gilberto Freyre e Baltazar Lopes “Nhô Baltas”, segundo António Firmino. Três “cromos” da Lusofonia, que na realidade se encontraram mesmo,na passagem de Freyre pelo Mindelo nos anos 30 do século passado, mais tarde registada em vários dos seus livros (ex: “Aventura e Rotina”). Celebrando o encontro com Gilberto Freyre “B.Leza” viria a compor a morna “Brasil”

Personalidade e talento multifacetado, “B.Léza” deixou uma obra vasta e admirável, que é fundamental (re)conhecer e nunca é demais revisitar. Se na música, a sua marca maior terá sido seguramente a utilização do “meio-tom” (acorde de passagem), com o qual renovou profundamente a “morna” cabo-verdiana, merecem também destaque os seus poemas e ensaios, alguns deles inéditos até hoje, a par de artigos dispersos por várias publicações, nomeadamente pela revista “Claridade” (1936), marco fundamental da história dos movimentos de emancipação cultural, social e política da sociedade cabo-verdiana.

“B.Léza na Rua da Paz”, obra de base para o painel de azulejo que viria a ser colocado na fachada do prédio da Rua da Paz, em Lisboa (em que B.Léza viveu nos anos 40 do século passado), no 105º aniversário do seu nascimento.

António Firmino, outra referência das artes em Cabo Verde, também ele mindelense, vem de há muito imortalizando na tela o compositor de “Mar Azul”, em diversas obras da sua série “Postais Musicais de Cabo Verde” e não só. A obra que ilustra este texto, provavelmente pouco conhecida, é um painel de azulejos pintado á mão pelo autor, criado expressamente para assinalar o 110º aniversário do nascimento de B.Léza (Dezembro de 2010) e que viria a ser afixado na fachada de uma das casas em que o compositor viveu em Lisboa na década de 40 do século passado, numa homenagem de duas associações ligadas à diversidade cultural e à lusofonia, na zona de S.Bento/Poço dos Negros.

Mas o melhor mesmo é ouvir as muitas e inesquecíveis canções que o autor de “Lua Nha Testemunha”, “Eclipse”, “Trás d´Horizonte” e tantas outras nos deixou. Incluindo, claro está, as originais e nunca por demais celebradas “mornas-fado” e “mornas-tango”, expressão maior da admiração de B.Léza por dois géneros musicais que, de um e outro lado do Atlântico, marcaram para sempre, tal como a Morna o Mindelo, a identidade de Buenos Aires e Lisboa, e cujas sintonias com a Morna são evidentes. Sortilégios das cidades-porto ou dos caminhos do mar, quem sabe….

Mário Alves

*Morabeza – amabilidade ou afabilidade, em crioulo cabo-verdiano, in Dicionário infopédia da Língua Portuguesa.
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