B.Léza, uma referência maior da música e da cultura Cabo-verdiana e Lusófona
Se fosse vivo, Francisco Xavier da Cruz faria 115 anos em Dezembro deste ano. Figura incontornável dos universos culturais cabo-verdiano e lusófono, autor de grande parte dos temas musicais hoje considerados como clássicos na música popular do arquipélago da “Morabeza”*, deve o “nominha” que o popularizou (alcunha, em crioulo) justamente ao seu génio musical como compositor e instrumentista. Figura central da vida musical e boémia de Mindelo no seu tempo, aí terá ganho a admiração de marinheiros brasileiros de passagem na cidade-porto, que ao ouvirem-no executar com maestria as suas mornas e coladeras, lhe terão dito : “rapaz, você toca que é uma beleza!”.

Personalidade e talento multifacetado, “B.Léza” deixou uma obra vasta e admirável, que é fundamental (re)conhecer e nunca é demais revisitar. Se na música, a sua marca maior terá sido seguramente a utilização do “meio-tom” (acorde de passagem), com o qual renovou profundamente a “morna” cabo-verdiana, merecem também destaque os seus poemas e ensaios, alguns deles inéditos até hoje, a par de artigos dispersos por várias publicações, nomeadamente pela revista “Claridade” (1936), marco fundamental da história dos movimentos de emancipação cultural, social e política da sociedade cabo-verdiana.

António Firmino, outra referência das artes em Cabo Verde, também ele mindelense, vem de há muito imortalizando na tela o compositor de “Mar Azul”, em diversas obras da sua série “Postais Musicais de Cabo Verde” e não só. A obra que ilustra este texto, provavelmente pouco conhecida, é um painel de azulejos pintado á mão pelo autor, criado expressamente para assinalar o 110º aniversário do nascimento de B.Léza (Dezembro de 2010) e que viria a ser afixado na fachada de uma das casas em que o compositor viveu em Lisboa na década de 40 do século passado, numa homenagem de duas associações ligadas à diversidade cultural e à lusofonia, na zona de S.Bento/Poço dos Negros.
Mas o melhor mesmo é ouvir as muitas e inesquecíveis canções que o autor de “Lua Nha Testemunha”, “Eclipse”, “Trás d´Horizonte” e tantas outras nos deixou. Incluindo, claro está, as originais e nunca por demais celebradas “mornas-fado” e “mornas-tango”, expressão maior da admiração de B.Léza por dois géneros musicais que, de um e outro lado do Atlântico, marcaram para sempre, tal como a Morna o Mindelo, a identidade de Buenos Aires e Lisboa, e cujas sintonias com a Morna são evidentes. Sortilégios das cidades-porto ou dos caminhos do mar, quem sabe….
Mário Alves