João Branco, um cidadão entre mundos

O João, como diz na sua página do facebook, é um homem dos mil ofícios, encenador, professor e educador, produtor cultural, marido, pai e amante das energias positivas. É diretor do Centro Cultural Português Pólo do Mindelo, do Instituto Camões, e encenador na empresa Grupo de Teatro do Centro Cultural Português do Mindelo, e um dos ideólogos do Mindelact, o primeiro festival internacional de teatro dos países que junta os projetos e os criadores de teatro de língua portuguesa. A sua última loucura foi a Academia Livre de Artes Integradas do Mindelo (ALAIM) que acabou de comemorar um ano.

Já o conheço há muito tempo e desde sempre o vi como um amante de energias positivas, um cidadão do mundo, características cada vez mais presentes desde que se tornou uma mistura explosiva e única de português e cabo-verdiano.

LMP – João o que é ser um cidadão entre mundos, um cidadão que dentro dele cruza diferentes culturas e modos de olhar o mundo?

JB – É olhar para o mundo e ver todas as cores. É esquecer que existe uma palavra chamada raça. É dançar com todos os ritmos, abraçar todos os feitios, sorrir a todos os olhares e é desejar, mais do que tudo, que um dia as fronteiras sejam abolidas para que a palavra liberdade faça finalmente sentido. 

LMP – De que forma o estares entre mundos se traduz na forma como entendes e praticas o teatro?

JB – A forma como se entende e pratica o teatro é o resultado de todas as nossas vivências, da nossa personalidade, do nosso interior, das nossas influências, dos nossos desejos e dos nossos conhecimentos. É inevitável que o teatro que colocamos em prática em Cabo Verde tenha esse espírito eminentemente crioulo, o que na sua essência significa que é um teatro do novo, da mistura, das energias recicladas e recicláveis, das influências antropofágicas, das sonoridades do mundo. Já Glissant dizia que “a crioulização do mundo é irreversível” e Cabo Verde, particularmente o Mindelo, é o seu laboratório (palavra tão querida às artes cénicas) mais exemplar, já que se encontra na bissetriz entre três mundos tão díspares, Europa, África Ocidental e América do Sul, e resulta de todos os encontros que aqui tiveram lugar, desde que o primeiro humano pisou nas ilhas, há mais de 500 anos. 

a crioulização do mundo é irreversível e Cabo Verde, particularmente o Mindelo, é o seu laboratório (palavra tão querida às artes cénicas) mais exemplar, já que se encontra na bissetriz entre três mundos tão díspares, Europa, África Ocidental e América do Sul, e resulta de todos os encontros que aqui tiveram lugar, desde que o primeiro humano pisou nas ilhas, há mais de 500 anos. 

LMP – Em Cabo Verde fala-se muito da música crioula e de como ela é algo que dá identidade à cultura do país. Há também uma dimensão crioula no teatro de Cabo Verde?

JB – Absolutamente. A minha tese de doutoramento é sobre isso mesmo. Sobre a aplicação do conceito de crioulização, emprestado primeiro à linguística e depois à antropologia, no domínio das artes cénicas. Todo o teatro que se faz em Cabo Verde resulta das idiossincrasias do povo cabo-verdiano e é, por isso mesmo, profunda e umbilicalmente crioulo. 

LMP – Quando referes o Mindelact falas de um espaço aberto, de encontros e reencontros, de confronto salutar, um embrião de inúmeros projetos artísticos, gerados a partir desse espaço de convívio único, num ambiente que quem vê não esquece, quem não vê, não acredita. Um festival de artes, alma e afetos.  Quais os projetos mais significativos que tiveram origem no festival e ligaram parceiros e criadores de diferentes países?

JB – São tantos que não os posso enumerar. Direta ou indiretamente, a existência do festival Mindelact tem servido de fonte motivacional para o nascimento de muitos outros projetos, nomeadamente o crescimento dos festivais de teatro de língua portuguesa, da circulação de companhias e artistas africanos, da vontade de concretização de projetos multinacionais envolvendo os nossos países. Existem vários exemplos de grupos de teatro, quer de Cabo Verde, quer de outros países, cujo trajeto internacional se iniciou com a vinda ao Mindelo e com a participação no nosso festival.  

Direta ou indiretamente, a existência do festival Mindelact tem servido de fonte motivacional para o nascimento de muitos outros projetos, nomeadamente o crescimento dos festivais de teatro de língua portuguesa, da circulação de companhias e artistas africanos, da vontade de concretização de projetos multinacionais envolvendo os nossos países. 

LMP – Sendo o Mindelo uma plataforma estratégica onde se podem potenciar encontros de criadores e parceiros do universo da língua portuguesa, de que forma poderia ser uma plataforma de lançamento e experimentação de projetos ponte que contribuíssem para aprofundar as cumplicidades no interior desta língua que transporta todas as culturas e olhares do mundo?

JB – Eu diria que já é. Só nos falta aproveitar muito mais esse potencial. Mindelo tem todas as condições: estratégicas, geográficas e humanas para ser testemunha e protagonista de múltiplos projetos dessa natureza, consubstanciados no seu espírito aberto, cosmopolita, alegre, crioulo e contemporâneo  

LMP – O Peter Brook criou um Centro Internacional de Criação Teatral em Paris com atores vindo onde diferentes partes do mundo. Não te seduz fazer isso em relação ao universo da língua portuguesa?

JB – Eu adoro o trabalho do Peter Brook, do ponto de vista cénico e da teoria teatral. Mas aqui é diferente. Aqui não somos um conjunto de nacionalidades. Aqui, somos todos crioulos. E quem chega não crioulo, sofre de forma rápida e irreversível um processo de crioulização que passa, por exemplo, pelo falar, pelo dançar, pelo olhar e pela forma como passamos a ver e encarar o mundo. Não há maior experiência do que essa, ser-se do mundo inteiro. 

Aqui não somos um conjunto de nacionalidades. Aqui, somos todos crioulos. E quem chega não crioulo, sofre de forma rápida e irreversível um processo de crioulização que passa, por exemplo, pelo falar, pelo dançar, pelo olhar e pela forma como passamos a ver e encarar o mundo.

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