Um Teatro Nacional para a Língua Portuguesa

Teatro Nacional D. Maria II
Os Desafios da Internacionalização

Afinal, todos os dias começam no Rossio, palco por excelência da mestiçagem.

Pedro Dias de Almeida, Visão, 17/01/2008

Das reflexões clássicas à problemática da contemporaneidade, o Teatro Nacional D. Maria II propõe-se ter como principal alvo a reflexão sobre os tempos que mudam e evoluem e que, em última instância, são testemunhos e interrogações sobre cada época.

Teatro Nacional

A vitalidade de um teatro reside na ousadia e vontade de experimentar, criar e dar espaço a quem partilha o gosto pela arte do teatro, e na procura de novos públicos. Com isto queremos dizer que entendemos que o Teatro se deve abrir, progressivamente, a novos e diferentes criadores, detentores de linguagens artísticas distintas.

Isto passa pelo desenvolvimento de uma estratégia de internacionalização que tenha como referência central a construção de uma Europa das Línguas e das Culturas. Deste modo, este projecto de internacionalização deve trabalhar em duas direcções estratégicas. Uma primeira que coloca no centro a necessidade de encontro e troca de projectos entre os criadores e estruturas artísticas europeias e, uma segunda, que cria condições para que esses criadores e essas estruturas contactem com projectos e práticas de referência, tanto ao nível do Brasil, como da África Lusófona.

Assumem-se os seguintes pontos como objectivos centrais desta estratégia:

  • Criar um espaço de diálogo e confronto artístico que acolha no seu seio a diversidade cultural e linguística europeia, onde a nova Europa se possa experimentar nos processos de criação;
  • Incentivar o contacto com os projectos e as práticas artísticas oriundas do Brasil e da África lusófona, tornando perceptível a sua importância estratégica para a construção de uma Europa que, sendo hoje um mosaico de todas estas realidades, tem uma efectiva dificuldade de as integrar devido ao pouco conhecimento que, na sua globalidade, tem desta realidade multicultural e mestiça;
  • Mostrar como, ao longo da sua História, Portugal foi, efectivamente, uma plataforma de encontro de culturas e de ideias, de encontro de civilizações.

Europa

Se a Europa entrou em nós, nós ainda não entrámos na Europa.

José Gil, Portugal, o Medo de Existir

O Teatro Nacional posiciona-se no embrião de toda uma série de projectos que têm como meta não só criar uma “Companhia Europeia de Teatro”, mas também ligar criadores e cidades, defendendo as suas especificidades culturais e as suas línguas.

A estreia em Lisboa, a 20 de setembro de 2007, da peça “Tanto Amor Desperdiçado”, de Shakespere, uma co-produção bilingue do Teatro Nacional D. Maria II e da Comédie de Reims, com encenação de Emmanuel Demarcy-Mota, e a sua apresentação em Reims, na inauguração do novo espaço L´Atelier, foi o início efectivo da aventura internacional que, desde o início do nosso projecto, nos propusemos desenvolver no Teatro Nacional.

Tanto Amor Desperdiçado, de William Shakespeare, tradução Nuno Júdice (Português), François Regnault (Francês), encenação Emmanuel Demarcy-Mota, co-produção TNDM II La Comédie de Reims 2007,fotografias de Margarida Dias

Dissemos, desde sempre, que o projecto de internacionalização que defendemos não queria repetir os modelos dominantes nos circuitos internacionais de venda e circulação de espectáculos, assumindo-se antes como um projecto e espaço de encontros, de troca e de criação de cumplicidades capazes de suportar o lançamento de projectos que misturem criadores, línguas e temáticas. “Tanto Amor Desperdiçado” foi, nesse sentido, exemplar, pois misturou línguas, actores e teatros. Esta produção é também o embrião de toda uma outra série de outros projectos que têm como metas a criação de uma “Companhia Europeia de Teatro” e o estabelecimento de ligações entre criadores e cidades, defendendo as suas especificidades culturais e as suas línguas. Daí que a continuidade deste projecto esteja assegurada pela apresentação do espectáculo “Tanto Amor Desperdiçado”, no “Teatro Festival Itália” de Nápoles, em junho deste ano, e, em novembro, em Paris, integrando a programação cultural da Presidência Francesa da União Europeia. Coloca-se ainda a hipótese de o espectáculo se deslocar ao Brasil, integrando a programação do “Ano da França no Brasil”, em 2009.

A Lusofonia: África e Brasil

A minha Pátria é a Língua Portuguesa.

Fernando Pessoa

É através da língua, da sua defesa e da construção de projectos que a defendam, que conseguimos fazer prevalecer uma identidade e uma cultura com um universo com mais de 200 milhões de falantes por todo o mundo.

Uma das prioridades da programação do Teatro Nacional D. Maria II, ao nível dos projectos internacionais, tem a ver com dimensão da Lusofonia, bem como com a reflexão sobre o universo dos países e dos falantes de língua portuguesa. Isto porque temos consciência que é através da língua, da sua defesa e da construção de projectos que a defendam, que conseguimos fazer prevalecer uma identidade e uma cultura com um universo com mais de 200 milhões de falantes por todo o mundo.

Este projecto, que tem a língua como dimensão principal, teve até agora como momentos-chave a estreia, em Portugal, da peça “A Minha Mulher”, texto vencedor da primeira edição do prémio luso-brasileiro de dramaturgia “António José da Silva”. Esta colaboração, que aconteceu tanto ao nível da criação do espectáculo, como na sua apresentação em Lisboa, São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador, foi um começo para o lançamento de alguns projectos conjuntos que fizeram renascer o que há muitos anos aconteceu. Hoje, poderemos chamar a este eixo Lisboa-Brasil, onde existe um notório intercâmbio entre artistas portugueses e brasileiros, “um palco sobre o oceano.

A produção que fizemos com a Guiné Bissau, em torno do texto de “Macbeth”, de Shakespeare, que foi adaptado à realidade guineense e se concretizou no espectáculo “Namanha Makbunhe”, apresentado em Lisboa em junho passado, e o projecto realizado com jovens de bairros periféricos de Lisboa, a partir de “Ricardo II”, também de Shakespeare, e que resultou num espectáculo em crioulo, “R2”, são dois bons exemplos de aproximação à realidade africana.

Namanha Macbunhe

A concretização deste projecto, “Teatro e Lusofonia”, terá o seu momento alto no 2º Semestre de 2009, num processo que integra um conjunto de produções teatrais que, na sua globalidade, procuram abordar temáticas que nos permitam estabelecer redes de cumplicidades entre os países e os continentes onde existem países lusófonos, assim como construir um sentido e um pensamento à volta da ideia e da realidade da Lusofonia. Produções essas que se organizam em função de quatro olhares distintos:

1. Um olhar sobre a realidade africana em Portugal

“Os Vivos, o morto e o peixe frito” é talvez a produção em que este olhar sobre uma realidade que nos é exterior, mas que, ao mesmo tempo, faz parte do nosso quotidiano, pela convivência diária que com ela temos, é melhor equacionado. A comunidade africana em Portugal é-nos aqui apresentada de forma ímpar, num texto escrito por um escritor angolano, Ondjaki, que nos dá um olhar crítico, mas em tom de comédia, sobre o dia-a-dia dos africanos em Lisboa. “Os vivos, o morto e o peixe frito” é a primeira peça, e talvez a mais significativa, a par das experiências que desenvolvemos com “R2”, que trata da realidade dos africanos na perspectiva do seu encontro com Portugal, retratando o contexto da sua vivência no país. Com este espectáculo aproximamo-nos das comunidades que vivem actualmente em Portugal e dinamizamos um processo de discussão em torno dos seus problemas, ambições e desejos, para além de abrirmos a possibilidade de circularmos pelos festivais da Lusofonia, nomeadamente o Mindelact, do Mindelo, em Cabo Verde, o 1º Festival Internacional de Teatro de Luanda, a Bienal de São Tomé, e o FITEI no Porto.

2. Olhares cruzados com África e o Brasil

O cruzamento de olhares com África e o Brasil é uma das dimensões estruturantes deste projecto. O estabelecimento de um eixo lusófono (Portugal – Angola – Brasil) é outra das prioridades a que temos vindo a dar especial atenção. O que resulta do encontro entre diferentes países e culturas? De que forma esta nova cultura é assimilada ou não pelos habitantes de cada país? Até que ponto vivemos uma cultura mestiça, onde os vários olhares se fundem e contaminam? A todas estas questões tentará responder o espectáculo “Nação Crioula”, de José Eduardo Agualusa, que abordará uma visão cruzada entre Portugal, Angola e Brasil, dando corpo à questão da mestiçagem. Este espectáculo estabelecerá uma ponte criativa entre os três países (Portugal, Angola e Brasil / Bahia) e será transformado numa produção internacional que reúne em palco actores portugueses, angolanos e brasileiros. Contando a improvável história de amor que uniu um aristocrata português, Fradique Mendes, e uma rica dona de Luanda, antiga escrava, Ana Olímpia, esta peça caracteriza um mundo que acaba, na segunda metade do século XIX, e outro que se começa a erguer sobre os escombros do primeiro. Personalidades históricas do movimento abolicionista, escravos e escravocratas, travam um diálogo tenso sobre o sentido da liberdade, e a possibilidade, ou não, de criação de uma identidade comum no espaço da língua portuguesa. O projecto, uma ideia do actor e encenador Manuel Wiborg, será dirigido pelo encenador brasileiro Márcio Meireles (director do Teatro Olodum, na Bahia), e estrear-se-á no Brasil, em dezembro de 2008, integrando as comemorações dos 200 anos da chegada da Corte Portuguesa ao Brasil.

3. Um olhar de Moçambique sobre a realidade portuguesa

As relações e influências entre Portugal e África é uma temática que será aprofundada no projecto “Viagem”, a ser produzido e estreado em Moçambique, onde o olhar de uma realidade moçambicana, pela mão do escritor Mia Couto, recai sobre o encontro dos dois países. Com os grupos Mutumbela e Gungu, desenvolve-se a criação de um espectáculo que é uma reflexão sobre os contactos entre as duas culturas, numa perspectiva histórica em que se equacionam quer a perspectiva europeia, quer o ponto de vista africano. A relação com o factor ‘viagem’ permite cruzar outras influências presentes no imaginário moçambicano e português, mormente as que decorrem da proximidade e influência da cultura indiana.

4. Um olhar sobre as migrações

“Terra (Nunca) Prometida” é outra das produções que surgirá na linha temática destas peças: um olhar europeu sobre as migrações, uma reflexão sobre os movimentos das multidões que se lançam à aventura de África para a Europa. Este texto, resultante de um trabalho de oficina de escrita coordenado pelo dramaturgo José Sanchis Sinisterra, ainda em curso, terá como tema as migrações populacionais que caracterizam os nossos dias, isto é, as deambulações dos povos que fogem de regiões inóspitas e procuram a Europa, sobretudo em busca de uma vida melhor e de um futuro mais risonho.

5. Um olhar sobre a Lusofonia

“Encruzilhadas e Re-Encontros” acaba por funcionar como uma súmula deste encontro entre línguas e culturas. Depois da experiência com a produção que fizemos com a Guiné à volta do texto de “Macbeth” de Shakespeare, este projecto retoma os elos que continuam a unir e aproximar os países lusófonos. Este é um trabalho que resulta da colaboração entre o encenador polaco Andrzej Kowalski e o dramaturgo português Luís Mourão e que, partindo de ateliers realizados com actores dos diferentes países lusófonos, tenderá para a construção de um texto múltiplo: histórias, mitos e lendas africanos serão cruzados com formas de entendimento diferenciado, quer europeu quer africano. Este projecto surge na sequência de um trabalho continuado de Kowalski no quadro da Lusofonia e é uma tentativa pensada de descoberta do significado profundo da unidade lusófona. Propõe-se construir um espectáculo de fusão, de sons, línguas, ritmos, cores, atitudes e formas de equacionar as realidades, baseado na investigação dessa unidade histórica, cultural e linguística a que se convencionou chamar “Lusofonia”.

Num tempo que remete para uma mítica “idade esclavagista”, dois comerciantes de escravos iniciam uma viagem predadora através das colónias portuguesas. Para ambos, esta é a última oportunidade de reconquistar algum prestígio e dignidade social perdidos, entretanto, na voragem da capital do império. Muito diferentes na forma como lêem o mundo e os outros, resta aos dois homens uma espécie de união “profissional” de conveniência. Em tudo o resto são diversos. É assim que partem rumo às colónias, numa viagem cada vez mais esforçada, com o objectivo de aprisionar aí o que “de melhor” puderem encontrar. A viagem e as suas dificuldades apenas aprofundam as suas diferenças, mas dão ao espectador outra visão sobre a Lusofonia.

Grupo Mutumbela Gogo

MITE

Mostra Internacional de Teatro de Lisboa

Madrid, Paris, Berlim, São Petersburgo, o mundo!

Cesário Verde, O Sentimento Dum Ocidental

Antiga ou moderna, Lisboa permanece o mesmo Cais de Culturas: no passado, intercambiando culturas entre os quatro continentes; no presente, recebendo os novos imigrantes africanos, brasileiros e do leste europeu.

Desde os Descobrimentos, passando pelo movimento migratório, Lisboa convive naturalmente com uma grande diversidade de culturas, pelas inúmeras actividades que oferece, pela importância do turismo, pela atracção que exerce, pelas rotas que aqui convergem e pela imigração que acolhe. Esta diversidade, introduzindo uma enorme riqueza cultural, proporciona – pela tolerância e abertura que induz – a promoção de interacções positivas. Lisboa pode, assim, tirar benefícios muito especiais deste encontro cultural, representado simultaneamente pela reconciliação com o passado e pelo desenvolvimento prospectivo daquilo que será, certamente, a sociedade de amanhã.

Foi, justamente, esse desejo de abertura que permitiu potenciar cumplicidades com criadores contemporâneos de todo o mundo, concretizadas na sua participação na MITE’06 e MITE’07 – Mostra Internacional de Teatro, que tornaram o Teatro Nacional um local privilegiado de encontro e convivência de criativos.

Realizada anualmente, esta Mostra tem trazido ao palco do Teatro Nacional, em Lisboa, países tão diversos como Espanha, Itália, Roménia, Canadá, Lituânia, França, Inglaterra e Suiça.

A programação da MITE corresponde a dois objectivos centrais: um primeiro de criação de um projecto artístico de referência que, a médio prazo, afirme Lisboa e Portugal como lugares estratégicos e plataformas de encontro que cruzem criadores de vários países; um segundo que assume a MITE como parte integrante da cidade de Lisboa, como um acontecimento que contribui para uma maior afirmação da cidade ao nível da oferta cultural.

Para 2008, está prevista a presença de vários países – França, Hungria, Polónia, Roménia, Reino Unido, Brasil, Angola, Moçambique, Guiné Bissau – cujos espectáculos se prevêem ser uma oferta cultural de qualidade e cosmopolita, presente nos percursos de referência do centro da cidade, nomeadamente num triângulo estratégico que atravessa o Carmo, com as Ruínas, o Príncipe Real, com a Politécnica e o seu Jardim Botânico, e o Rossio, o coração de Lisboa, com a Praça e o Teatro Nacional D. Maria II.

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