Pensar de Pernas para o Ar: Qual é o problema de haver Português e Brasileiro?

Pensar de Pernas para o Ar

Qual é o problema de haver Português e Brasileiro?

Fico com a sensação de que o pessoal anda triste, sem ver uma ‘luz ao fundo do túnel’ e, talvez por isso, a autoflagelar-se por aquilo de que não tem culpa. A troca de argumentos entre Nuno Pacheco e Rui Tavares, no Público, a propósito da lusofonia, tem tido uma vantagem: não se autoflagelam, acrescentam conhecimento e isso é muito bom. Nuno Pacheco (NP) não gosta do acordo ortográfico (eu também não), Rui Tavares (RT) não lhe dá importância (eu dou). Para RT, o importante é a lusofonia, com ou sem acordo ortográfico (interpretação minha, claro), um universo de 500 milhões de falantes no final deste século, que fantástico isso é.

Perguntemo-nos: falamos uma variantezinha do latim e, por isso, pertencemos a uma latinofonia de (muitos) milhões de falantes do latim ou falamos português, uma língua diversa de outras que se desenvolveram da mesma latinofonia? É óbvio que falamos português; para falarmos com franceses, espanhóis, italianos e romenos temos que aprender a sua língua. E não escrevemos as palavras comuns da mesma forma, ou seja, nunca houve nenhum acordo ortográfico entre as diversas línguas. Uf, que alívio.

Ah, mas queremos que a lusofonia permaneça coesa, inflexível, que não mude nunca, para termos 500 milhões de falantes no final do século. Não sabemos depois o que fazer com 500 milhões de lusofalantes, mas isso não importa: ficamos com um lugar honroso numa prateleira qualquer. Sem se dar conta, é isto o que RT quer, mesmo admitindo umas flutuações de língua dentro da tal lusofonia. E é exatamente isto o que NP não quer (outra vez, interpretação minha): que momento este tão belo em que assistimos ao aparecimento duma língua (a falada no Brasil) que nasce do português!

Mas qual é o problema de haver português e brasileiro? Como partilho desta visão. Embora não anteveja a possibilidade de inversão do processo de implantação do acordo ortográfico (acho tardia essa possibilidade), partilho inteiramente com NP a classificação de bacoco (para não dizer a palavra correta) o dito acordo. Espero que os ‘acordistas’ não venham agora dizer que é preciso fazer algumas intervenções cirúrgicas para corrigir o ‘edifício mais belo que se construiu nos últimos tempos’ nesta nossa lusofonia: era assumir-se que afinal a coisa não era assim tão bela, não era?

As línguas têm um caminho próprio que não sabemos qual é na atualidade (sabemos de onde vem, sim, mas não sabemos para onde vai, felizmente). As modificações que introduzimos hoje, muitas vezes por brincadeira, vão influenciar esse caminho. Duvido, por isso, que tenhamos os tais 500 milhões de lusófonos no final do século (e para que os queremos continua a ser o meu problema); duvido, por isso, que sejamos capazes de reverter o ‘inefável’ acordo ortográfico.

AUTOR DO ARTIGO

PEDRO MANTAS

 
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