Fernanda Renée Samuel: Reconciliação com a Mãe Natureza

LP – Como é que uma engenheira de Produção de Petróleos, pela sua formação mais vocacionada para trabalhar com uma fonte de energia poluente, se consegue afirmar como uma das referências mundiais na defesa do ambiente e ser uma das 35 finalistas da edição de 2020 do Prémio Jovens Campeões da Terra, da ONU?

FR – No mesmo ano em que terminava a minha licenciatura em Engenharia de Produção de Pesquisa e Produção de Petróleos, em 2015, a Companhia Brasileira Odebretch lançava a 6ª edição do Prémio ODEBRECHT para o Desenvolvimento Sustentável, na qual dos 3 vencedores, eu fui uma delas, com o projecto do aproveitamento do Lixo orgânico para a produção de biofertilizante. Este prémio foi o grande impulsionador do trabalho que tenho estado a fazer até hoje para a protecção e conservação da natureza. Foi onde tudo começou, foi neste dia que cheguei a pensar que a natureza precisa mais de mim do que a Indústria de Petróleo. E ver hoje este nosso trabalho a ser reconhecido pela ONU acaba por ser uma honra.

LP – O que é que são os Mangais e qual a importância estratégica da gestão sustentável das suas zonas húmidas?

FR – Os Mangais são o berçário da vida marinha. Cerca de 80% da vida marinha depende deste ecossistema. Os mangais podem ser definidos como sendo ecossistemas costeiros de transição entre ambientes marinhos e terrestres, associados às baías, enseadas, lagunas, estuários, ou seja, é o ponto de encontro do mar e do rio. A sua fauna está constituída pelos crustáceos, moluscos, aves migratórias, e muitos outros. A sua flora está constituída por vegetações típicas denominada de mangues, para além das salicornias. Têm grande importância na protecção da orla costeira, e servem de áreas de reprodução, abrigo e de alimentação de inúmeras espécies. São várias as comunidades costeiras de pescadores que têm os mangais como a sua única fonte de subsistência, pois retiram dos mangais ostras, peixes, etc. Com relação às alterações climáticas, os mangais absorvem mais dióxido de carbono do que qualquer outra floresta terrestre.

Os mangais, como todas as zonas húmidas em geral, são de grande importância por várias razões a começar pelo fornecimento de água para todos nós, e a má gestão das zonas húmidas torna as cidades mais vulneráveis a desastres como cheias, inundações, erosões, fome, pobreza, extinção de espécies, e muito mais.

LP – O conceito de beleza está muito presente nas suas reflexões e isso percebe-se quando mostra as belíssimas fotos dos flamingos. De que forma as populações se mobilizam para a limpeza e restauração das suas comunidades quando tomam consciência que essa limpeza é fundamental para o regresso de muita da fauna desaparecida e para terem uma comunidade mais bonita?

FROs flamingos fazem parte das várias espécies de aves migratórias que habitam nas zonas húmidas, como os ecossistemas de mangais. A sua beleza neste ecossistema impressiona pela positiva. Por exemplo na minha terra natal, no Lobito, sul de Angola, os flamingos representam o símbolo da identidade daquela cidade. As construções empreendidas, muito próximas ao santuário, têm poluído o seu habitat, dificultando a permanência dos flamingos e de outras espécies que ali habitam. Devido à extrema poluição, os flamingos estavam a migrar e quase entraram em via de extinção. Durante muitas campanhas de restauração dos seus habitats, alguns voluntários fotógrafos do Projecto Otchiva têm-se dedicado a fotografar a biodiversidade destes ecossistemas húmido. E dentre muitas destas fotos destacam-se os flamingos, que de alguma forma, tem estado a chamar atenção de toda a sociedade, levando mesmo alguns questionarem-se sobre a existência destas espécies no nosso País. Esta acção da promoção fotográfica dos flamingos, tem sido uma verdadeira educação e sensibilização sobre a importância da protecção das zonas húmidas.

LP – O que quer dizer quando afirma: “A reconciliação Nacional não deve apenas se basear com o calar das armas se os nossos ecossistemas continuam a ser devastado resultando em doenças e na pobreza extrema…É preciso também a Reconciliação com a Mãe Natureza”

FR – Quando afirmo que é necessário nos reconciliarmos com a mãe natureza é porque a seca severa que assola vastas regiões de África, da Ásia e das Américas, por exemplo, é consequência directa da irresponsabilidade do homem. As florestas tropicais, tanto da Amazónia, quanto a floresta equatorial africana, os principais pulmões do planeta, estão seriamente ameaçadas devido a exploração desmesurada da madeira, à caça furtiva e a ganância de muitas multinacionais que são grupos económicos poderosos que exploram sem escrúpulos os recursos minerais e contaminam os solos e rios. Actualmente em todos os oceanos há mais resíduos de plásticos do que peixe. A poluição atingiu proporções assustadoras. O aquecimento global põe em causa a continuidade das espécies, incluindo a raça humana. Mas infelizmente há líderes mundiais que não acreditam no aquecimento global e investem em industrias altamente poluentes. Milhões de pessoas em todo o mundo, particularmente em África passam fome porque perderam as suas terras de cultivo e de pasto, o peixe desapareceu em muitos rios, e os governos não têm soluções. No Nosso País ainda registamos actos graves de agressão ao Planeta terra. Queimadas e incêndios florestais, destruição dos mangais e de toda a orla costeira, falta de saneamento básico em todas as cidades, vilas e aldeias do País, São apenas alguns dos exemplos a citar. Por isto neste momento de quarentena em que o mundo vive aterrorizado pela pandemia do novo Corona Vírus, deveríamos parar para perceber que os avanços da ciência e da tecnologia não nos permitiram contrariar a mãe natureza. A humanidade só vencerá estes e outros desafios se RECONCILIAR-SE COM A MÃE NATUREZA.

LP – Porque é que ganha uma importância tão grande o processo de produção de sabão através da reciclagem de óleos usados para doar às comunidades no Combate contra o Covid – 19 em Angola?

FRO Corona Vírus é uma doença que infelizmente ainda não tem cura, e a lavagens das mãos com água e sabão é um dos métodos mais eficazes indicados para a sua protecção. Devido a isto, em Angola o preço do sabão subiu de drasticamente, o que impossibilitou as famílias mais desfavorecidas de o comprar. Através da AmbiReciclo, uma startup de promoção da economia verde para o combate à pobreza através da reciclagem, temos produzido sabão a partir da reciclagem dos óleos de cozinha usados que, com a ajuda de vários parceiros, distribuímos de forma gratuita e já chegámos a mais de 70.000 famílias. É a contribuição ecológica no combate contra o Corona Vírus. De realçar que este projecto do reaproveitamento do óleo de cozinha usado para produção do sabão teve início há cerca de 4 anos, e através da também co-fundadora da AmbiReciclo, Joana Bernardo, formámos mais de 2.000 Jovens, principalmente jovens mulheres, na promoção do autoemprego em zonas rurais e peri urbanas em Angola.

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