Camila Honda – Uma artista que entre outros afazeres, canta

Muitos lembram-se da sua voz cristalina no musical O Que Faz Falta que esteve em cena no Teatro Villaret em 2010, altura em que Camila Honda frequentou em Portugal um mestrado de Criação Artística na Universidade de Aveiro.

Nascida no Belém do Pará, ela é um produto dos tempos de hoje, misto do Japão, Europa e Brasil amazônico. Uma mistura explosiva e criativa da matéria com que se inventam hoje os futuros possíveis.

Hoje assistimos à sua afirmação como uma das novas promessas musicais do Brasil e como um dos rostos deste universo da língua portuguesa.

LMP – Camila és paraense de nascença, o teu avô era japonês, a tua mãe tem ascendência portuguesa, viveste alguns anos na Europa e és Influenciada por Joan Baez, Chico Buarque, pela Tropicália e por Nara Leão. A tua voz é serena, o teu canto é calmo, mas carregado de emoção.

Neste quadro múltiplo, como é que te defines como cantora?

Camila Honda – Tenho aprendido muito sobre mim ao longo destes anos cantando, percebendo a minha voz, as minhas dificuldades, as nuances sutis de mudança no meu timbre ao longo do tempo, relacionando a qualidade vocal, com o meu crescimento pessoal. Me incomoda um pouco o rótulo de cantora porque ele parece restringir o fazer artístico ao canto e eu me sinto uma artista que entre outros afazeres, canta. Horas me satisfaz desenhar, escrever, construir objetos, horas me satisfaz cantar. O que posso dizer é que canto à minha maneira o que sinto e que tenho caminhado pra um lugar cada vez mais íntimo e sincero no meu trabalho.

Me incomoda um pouco o rótulo de cantora porque ele parece restringir o fazer artístico ao canto e eu me sinto uma artista que entre outros afazeres, canta. Horas me satisfaz desenhar, escrever, construir objetos, horas me satisfaz cantar. 

LMP – O Carimbó, uma sonoridade de procedência indígena, aos poucos mesclada à cultura africana, com a assimilação das percussões dos negros, e com elementos de Portugal, como o estalar dos dedos e as palmas, é, penso, uma música do Pará. Já disseste que tens alma paraense, e tendo já cantado com Ely Farias, o grande intérprete do carimbó, onde é que este ritmo do Pará está nas tuas músicas?

Camila Honda – As músicas do Ely conheço desde menina. Foi um dos presentes que ganhei nas várias experiências de encontros na rádio Cultura, em Belém. Mas na realidade eu vivo pouco o ambiente do carimbó, ele está presente no meu trabalho quase porque nos é irresistível. Está presente como referência, mas não de maneira muito explícita ou regionalista. Mas é certo que deixa o seu perfume. 

LMP – O Felipe Cordeiro, que acompanhou todo o desenvolvimento da tua carreira, definiu-te assim: “Camila Honda é uma rara aparição vocal do Pará, que não trafega pelos caminhos previsíveis dos ritmos populares do estado, fazendo dela a mais diferente de todas. Camila bebe do folk, pop, do erudito sem perder sua brasilidade de miscigenação peculiar, misto de Japão, Europa e Brasil amazônico. Mas ela não nega as tradições e símbolos paraenses, apenas não se entrega a eles de modo imediato”.

Achas que tu és isto e a tua opção para construir uma sonoridade própria vai marcar a música dos novos tempos, do futuro, uma música que cruza mundos e inventa outras realidades?

Camila Honda – Há uma sonoridade muito característica aqui da música produzida no Pará. Um misto de carimbó, guitarradas, ritmos caribenhos, brega… Mas quando penso na minha identidade, não tenho a sensação rigidez, de um vínculo enrijecido nesta terra. Como disse, as minhas próprias raízes são fluidas e essa fluidez multicultural sempre foi muito natural pra mim e faz parte da minha verdade. Está presente na minha maneira de ser e em tudo o que faço. Não acho que eu esteja sozinha neste caminho. Ao contrário, “cruzar mundos” e “inventar novas realidades” é o caminho natural para nós que vivemos o mundo globalizado. Também estes ritmos tradicionais que caracterizam o Pará tem influências de outros lugares.  O próprio povo brasileiro se constituiu assim. A questão para mim é atravessar fronteiras percebendo que a experiência é o que nos faz preciosos enquanto seres humanos, nos faz singulares, únicos. E acho que os artistas que se sobressaem na música popular brasileira atualmente estão muito conectados com isso, com a sua verdade, com a sua singularidade, dentro deste grande universo de possibilidades.

“cruzar mundos” e “inventar novas realidades” é o caminho natural para nós que vivemos o mundo globalizado. Também estes ritmos tradicionais que caracterizam o Pará tem influências de outros lugares.  O próprio povo brasileiro se constituiu assim. A questão para mim é atravessar fronteiras percebendo que a experiência é o que nos faz preciosos enquanto seres humanos, nos faz singulares, únicos.

LMP – Para nós que pensamos e falamos em português é fundamental tomar consciência da diversidade e da riqueza deste universo com uma língua e tantos mundos dentro. Por isso é que é importante que nos fales sobre a riqueza do Pará e o que é que ele tem de especial. Qua alma é essa do Pará.

Camila Honda – Sem dúvida é quente e húmida. Para o olhar europeu, acredito que seja um lugar muito exótico. O Pará (falo aqui como quem é de Belém, pois o Pará é muito grande e diverso) tem a força e o mistério especial da floresta amazônica e tem a doçura e a leveza do rio. Este clima quente e húmido o ano inteiro, a floresta e a água doce do rio se refletem no sabor da comida, na maneira de ser das pessoas, na música, nas chuvas, nas danças, nos corpos, no ritmo da cidade, em tudo.

O Pará (falo aqui como quem é de Belém, pois o Pará é muito grande e diverso) tem a força e o mistério especial da floresta amazônica e tem a doçura e a leveza do rio. Este clima quente e húmido o ano inteiro, a floresta e a água doce do rio se refletem no sabor da comida, na maneira de ser das pessoas, na música, nas chuvas, nas danças, nos corpos, no ritmo da cidade, em tudo.

LMP – Falaste de como foram importantes as aulas de Teatro Musical na Universidade de Aveiro e a tua participação no musical “O que Faz Falta” que esteve em cena no Teatro Villaret em Lisboa. Podes contar-nos como essa passagem por Portugal foi importante para a tua opção pela música?

Camila Honda – O mestrado em Criação artística Contemporânea na Universidade de Aveiro, a temporada no teatro Villaret, o estágio na Fundação Calouste Gulbenkian, me trouxeram um amadurecimento muito grande. Acho que foi aí que conquistei uma atitude diferente mesmo em relação a produção artística. Eu trabalho também como arte educadora e estou começando a trabalhar num livro de ilustrações minhas e a experiência em Portugal foi muito importante pra mim, é uma grande referência que tenho. Me trouxe a vontade de começar um trabalho solo como cantora e continua me acompanhando em tudo. Também continuo grande admiradora de pessoas como a Susana Gomes da Silva, coordenadora do meu estágio no setor educativo do CAM, de artistas como a Isabel Baraona, da banda Os Deolinda, da grande Teresa Salgueiro que já esteve várias vezes aqui em Belém do Pará e tantos outros portugueses.

O mestrado em Criação artística Contemporânea na Universidade de Aveiro, a temporada no teatro Villaret, o estágio na Fundação Calouste Gulbenkian, me trouxeram um amadurecimento muito grande. Acho que foi aí que conquistei uma atitude diferente mesmo em relação a produção artística.

LMP – Se houvesse possibilidades de lançar um projeto musical entre Portugal e o Brasil, e, se possível, alargar a outras realidades do universo da língua portuguesa, como é que para ti esse projeto poderia ser construído?

Camila Honda – Isso seria coisa para se pensar em conjunto, mas num primeiro momento me vem a ideia de seria legal resgatar uma aproximação a partir das cidades, vilas, freguesias com nomes em comum. Aqui no Pará temos várias delas: Belém, Óbidos, Bragança, Alenquer, Aveiro… Que música é produzida nestes lugares do Pará e nestes lugares de Portugal? Acho que pode ser um caminho interessante.

https://www.youtube.com/watch?v=H1Grhcn7AqA

Camila Honda

Vida de artista. Uma música da Sueli Costa que caiu como uma luva na minha vida. Poesia linda demais. E uma pergunta que ecoa lá no fundo da alma.

 

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